Uma moeda "sem valor"
Por um curto período de tempo na minha adolescência, eu fui um colecionador de moedas. "Numismata", parece que é o termo certo. Na verdade, eu tenho um amigo que, nesta época, levou este hobby bem mais a sério, e eu tive vontade de acompanhar. Pensando bem nem sei se ele ainda continua com a coleção, acho que não. Eu já não coleciono mais, e tenho poucas moedas antigas.
Contudo, esta que está aí em cima (frente e verso) é um dos meus tesouros. É uma moeda brasileira, de 80 réis, do Império. Pesquisando, descobri que ela é de 1822, ou seja, da época de Dom Pedro I. É provavelmente a primeira moeda "brasileira", pois eu imagino que no Brasil-Colônia era utilizada a mesma moeda vigente em Portugal, senão ouro, por exemplo.
É claro que eu sei que esta moeda saiu de circulação, e por isso perdeu o seu valor, no máximo na Proclamação da República, apenas 70 anos depois de seu lançamento. A pergunta que fica é: como uma moeda se manteve "incógnita" durante décadas, a ponto de ser "encontrada" por alguém nascido mais de um século depois dela? E, mais do que isto, qual o caminho que ela percorreu neste tempo?
Não tenho noção do valor que uma moeda de 80 réis tinha para alguém dos anos 20 do século XIX. Sei que a inflação também atacou naquela época, pois, a moeda que eu tenho de 1889, primeira da república, já é de 200 réis. De qualquer forma, eu acho fantástico imaginar que esta moeda pode ter passado muito tempo sendo trocada por mercadorias, serviços e até escravos. Esta moeda, inclusive, é testemunha de uma época que, na verdade, há muito é impensável: a época do Império Brasileiro. Muita gente não nota, mas o Brasil foi, na sua época e territorialmente, um dos maiores Impérios do mundo. As pessoas que trocavam esta moeda tinham a noção de que o Imperador era o dono de tudo, muitas vezes até de suas próprias vidas. É estranho pensar que esta noção de "governo vitalício" não aconteceu só na Europa numa época distante como a Idade Média (onde ainda se mantém, em alguns casos, ainda que não com mais tanto poder), mas foi aqui, no "país tropical", e há poucas décadas.
É certo que, para ter sobrevivido a estes 120 anos de República, esta moeda passou por outros colecionadores, ou mesmo viveu décadas esquecida em uma gaveta. Mesmo assim, ela foi testemunha, sem a mesma participação, de todo o desenrolar deste período democrático (e seus longos hiatos). Não é de todo impossível imaginar que esta moeda tenha sido guardada por um tenente nos anos 20 do século passado, quem sabe por Getúlio Vargas, ou por um general durante os aons 70.
Não sei por quanto tempo ela permanecerá comigo. Calculo que esteja aqui já há quase 1 década, e pretendo que permaneça por muitas mais. É possível, e até provável, eu diria, que ela também sobreviva a mim. Talvez se perca novamente, até que outro historiador de fim-de-semana a encontre. Então um dia o seu novo possuidor ficará ainda mais impressionado com o seu valor histórico, e se lembrará que ela tem mais de 200 anos. Ele provavelmente também cogitará as várias "viagens" que ela fez até chegar às suas mãos, se lembrará do Império, e das décadas de República. Entretanto, este tempo que ela ficou aqui comigo será para sempre um segredo só dela.
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